quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Um drinque no carrossel

Meu nome é Leysla Kedman e eu acabo de ser estuprada. Decidi escrever sobre minha vida de ex-atriz pornô, atual dançarina e futura professora de balé, porque EU, diferente das outras atrizes e pessoas comuns, sou extraordinária. Tenho talentos variados e incomuns. As pessoas sob a face da terra são de papel. Dá para fazer origamis e enrolar cigarros com as pessoas. Mas eu, mesmo sendo uma pessoa esférica, isso é, não sendo de papel, sou altamente inflamável. Conheci um poeta que me disse: "você tem lábios selvagens iluminados, quadris musicais dos anos 30", conversamos sobre a possibilidade do impossível e ele ficou louco por mim. Eu abri a sua braguilha e lhe ofereci um poema imortal indizível, e ele gozou tão profundamente que teve visões. Espero encontrá-lo mais tarde na vida. Talvez ouvir que eu me tornei sua musa inatingível. Estava dizendo que fui estuprada, pois bem, é comum. Já me aconteceu outras vezes, desta vez eu tentei não me apaixonar, é inevitável. Foram dois homens terrivelmente masculinos, com paus tão duros quanto a consciência da Alemanha, um compensava a falta que o outro me fazia durante o troca-troca. Vocês devem estar se perguntando: por quê? Por que estupraram uma ex-atriz-pornô? Porque decerto devem ter assistido ao filme de maior sucesso na internet, no qual protagonizei como uma virgem desavisada em "Penetração Acidental". Eles me deixaram na calçada fria, escura e sombria da Rua Voluntários da Pátria. Percebi que estava com esperma embaraçando meu cabelo. Fiquei horrorizada com esse fato. Como esses dois insensíveis puderam gozar no meu cabelo, fazendo ele parecer um ninho de pássaros? Quanta frieza! O duro de ser uma ex atriz pornô é que ninguém entende minha interioridade. Fui de metrô para casa, morrendo de vergonha das minhas vestes desarranjadas e o cabelo mais bagunçado que as idéias. Ao chegar, encontrei minha melhor amiga, Lurdirina, trancada no quarto com uma garota de aparentemente 16 anos. Lurdirina é confusa sexualmente. Ela disse que gostaria de mostrar àquela criança as delícias do existir, e as duas ficaram se chupando em diferentes ângulos e dimensões. Eu observei tudo porque sempre tive a certeza de que o sexo foi feito para ser assistido, prestigiado e aplaudido, mais do que o teatro, mais que os grandes clássicos do cinema, mais que as altas composições de ópera, mais do que a matemática e mais ainda do que as ciências humanas. Quem não sabe contemplar o sexo e passa as horas tentando organizar as idéias dos grandes gênios da humanidade, lendo livros infinitamente incompreensíveis, estão no mundo para faxinar uma sujeira infinda. São faxineiros do inferno. Não percebem que a luxuria sim é a razão e o fim. Cansei de ficar olhando aquelas duas se pegando como gatas no cio e fui para a Boate tentar um freela. O dono da boate chama Joelhinho, uma bicha megalomaníaca. Não gosto de falar sobre o tempo quando escrevo, me parece muito banal, mas nesse caso é indispensável, era inverno em São Paulo, e Joelhinho me pediu que ficasse de biquini na porta da boate, prospectando. Tudo por causa da lei Kassab, que mandou tirar as placas das boates. Troquei de biquini sem parar, precisava encontrar um que aquecesse melhor meu corpo, tarefa impossível. Sugeri um maiô, Joelhinho negou cruzando os braços e franzindo o sobrolho. Coloquei um fio dental e fui pra porta da boate servir de placa. Preciso arrumar outro emprego. Ou um homem suficientemente rico para sustentar meus vícios mundanos. Os homens deveriam nascer com um retrovisor no lugar das orelhas, pensei quando vi um deles virando o pescoço como um ventilador ao passar pelo meu traseiro. O bom de ser uma mulher só é que você pode colecionar porções de imundices que te dizem os homens que passam pela rua à procura de diversão. Meu sonho é construir uma boate em um carrossel, e ficar girando nos cavalinhos vermelhões. Tomar um drinque no carrossel! Dois drinques no carrossel! Um brinde no carrossel! Girando, girando. Absolutamente nua, como quis nosso Senhor. Estava exausta de ficar na porta prospectando e pensando coisas inverossímeis, quando um lixeiro passou e me convidou para ir com ele na garupa do caminhão. Eu topei! Coloquei um casaco de pele, agarrei aquele cano frio e desci a augusta alucinadamente sentindo o cheiro podre do lixo! Agora quero falar um pouco do lixo, que é uma coisa que eu gosto muito, porque tem história. As coisas novas não têm história. Vocês devem estar pensando que é muita emoção descer a rua no caminhão de lixo depois de assistir um sexo lesbiano antes de ser estuprada. Mas a noite de São Paulo se arreganha para mim como uma bunda de travesti.

3 comentários:

  1. jou,
    tinha tanta saudades de seus textos e personagens caoticos, lindos, e internamente liricos!COMO VOCE!
    sua literatura é incrivel, pq oq realmente importa alem do estilo lapido nas palavras,é principalemnte o univertso interno da persnagens.eu lio muito, e sei que o que voce fez hoije em dia NINGUEM faz na literatura contemporanea paulista, e seus textos presam ganhar voz! o publico merece!!!!!! ja mandou algo pra laguma editora?
    bjsss
    David

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  2. Penso na prosa de Hilda Hilst, mas num tom de crônica... Mas, o contexto todo me interessa: o texto, o blog, a insanidade na playlist... Sinto que é uma proposta germinal ainda, e quero acompanhar o desenvolvimento disso. Parabéns!

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  3. Acabei de conhecer o blog pela MTV, na propaganda do seu livro e me sinto preso ao prazer de imaginar esses desvaneios. É como deve ser a vida na bossa nova.

    Parabéns.

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